TRIBUTO À ERLY


Ah, Erly...
ainda te vejo chegando todas as manhãs
torvelinhando a casa
abrindo as janelas, sacudindo cortinas
batendo as mantas nos sofás da sala ...
Que alvoroço gostoso!


Ah, Erly...
ainda te ouço cantarolando na cozinha
fazendo um cafezinho,
fritando bolinhos de vagem com cenoura
enchendo as garrafas  com cloro por causa do limo...
Que cozinha apertada para nós duas!


Ah, Erly...
ainda sinto o cheiro da fumaça
das folhas de amendoeiras que tu queimavas
enquanto os maruins assombravas
com aquela varreção no quintal,
E o sudoeste batendo na costa da Marambaia ...


Ah, Erly ...
ainda te escuto ameaçando os meninos:
"Samuel, Daniel, desce deste muro! 
vai cair do outro lado e o jacaré vai te pegar!"
Escuto a resposta deles:
"Tia, aqui não tem jacaré! mentira é coisa do diabo!"
E te vejo rindo, pelos cantos da casa
repetindo as falas das crianças.


Ah, Erly ...
ainda me lembro dos teus olhos arregalados
contrariando o olhar apertado e piscante
que te era tão comum,
cada vez que algo muito sério acontecia
Como prestavas atenção à mim!


Minha amiga querida,
Tu fostes morar com Papai tão de repente...
Oito anos se passaram 
e ainda te busco pelo mundo para o abraço final.
Sinto falta do teu alvoroço,
sinto falta do teu bom humor,
sinto falta da tua atenção,
sinto falta do teu desejo de servir,
sinto falta da tua diaconia tão alegre e espontânea.
Teu lugar no meu coração nunca será ocupado!



Nunca te disse tudo isso em vida
mas tenho saudade do teu amor por todos nós,
da tua comida simples, da tua atenção 
às minhas tristezas e desolações,
do jeito que me ouvias, quando ninguém queria ouvir.

Uma falha irreparável desta minha percepção
tosca, lerda e limitada.
Me fazes muita falta!


Não como uma arrumadeira ou babá
Mas como aquela amiga leal,  confidente, 
como mulher de oração que intercedia por mim
como mãe, como avó, como irmã
como alguém que se revoltava contra a injustiça
mas que alegrava minha vida sempre que tinha chances.


Perdão, amiga, pela minha visão tacanha
sem-noção, sem amor próprio,
de uma estupidez tamanha.
Perdão pela cegueira voluntária à qual me impus
que não me permitiu ver tua alma gigantesca.


Eu me mudei da Marambaia em 2005
e os meus meninos, seus bebês, estão mais altos que eu!
Daniel tem 16 e vai para o segundo grau,
toca violão muito bem
Samuel não quer nada com os estudos
mas é um excelente dançarino,
Está com 13, um poço de muitas emoções.


Encontrei Elisa um tempo atrás,
Ela trabalha no Downtown e vai cursar faculdade.
Suelen já casou, acredita?
Quem diria que aquela magrela ia casar antes da mais velha?
Tuas filhas estão bem, minha querida, são bonitas!
Elas refletem o coração bom e generoso da mãe delas.


Sei que agora,  estás junto do Pai
dando seus risinhos agudos
com os olhos apertados
enquanto aqui  eu me desfaço em lágrimas,
nessa tentativa sem nexo de voltar no passado
e sarar a  ferida enorme que abri dentro de mim
quando não te dei o valor que tu merecias.


Te amo amiga querida, minha irmã, minha parceira!
Como eu queria poder te abraçar agora
para repetir-te, o que sempre me dizias
quando voltavas pra tua casa:
Fica com Jesus!



----------------------------


Erly partiu em 2001 pra ficar com Jesus.
Nunca mais minha vida foi a mesma.
Depois de sua partida, minha vida tomou rumos que ela já devia ter previsto
mas sempre fez de conta que não sabia.
Ela me ensinou a receber amor com gratuidade.
Hoje, percebi que tinha que escrever este tributo
E enquanto me recomponho da convulsão
de lágrimas que me assaltou
recordo que não havia chorado no sepultamento dela.
Sinto que hoje consegui dizer adeus,
de lá do fundo, 
de lá do endereço da dor.

Comentários

Unknown disse…
Lindo!!!!!!!!!!
Você é uma poeta e eu não sabia!!!!!!

Postagens mais visitadas deste blog

7 parágrafos sobre a alteridade

A palavra de hoje é: descontextualização!

Pedaladas alegóricas - isto não é exegese!